1ª Conferência: “A Família e o Mundo do Trabalho”
(Professor e ecomonista Márcio Pochmann, presidente do IPEA)
1. Evolução da família em relação ao trabalho: A família é sem
dúvida unidade constitutiva da sociedade humana. Desde a época de
Platão, por exemplo, havia a utopia de construir uma sociedade sem a
família. O tempo passou e vemos na prática a falácia deste modelo. Mas
também é inegável que a família vem sofrendo mudanças. Podemos falar da
família originária nas antigas sociedade agrárias (até 1800), no países
da Europa em geral. Ainda existem características deste tipo de família,
mas elas ainda existem em alguns lugares. No Brasil, por exemplo, elas
predominaram até 1930. São famílias numerosas, que vivem no campo e com
uma expectativa de vida baixa.
Viver era essencialmente trabalhar, pois as técnicas agrícolas eram
muito precárias. Por isso, era importante ter muitos filhos porque era
essencial muita mão de obra para trabalhar. Começava-se a trabalhar
muito cedo, até porque não havia acesso amplo à escola, e trabalhava-se
até o fim da vida, pois não havia sistema de aposentadoria.
A aprendizagem se dava dentro da unidade familiar e por isso, os mais
velhos eram muito bem visto porque detinham a sabedoria. A carga horária
de trabalho era do nascer ao pôr-do-sol, de domingo a domingo. O sexo
masculino era a força de trabalho e ao sexo masculino cabia a reprodução
e cuidado da prole. Na sociedade agrária este era o panorama.
No entanto, desde a primeira revolução industrial (cerca de 1750),
começa a surgir a socidade urbana e industrial. Começa a separação entre
o tempo de vida e o tempo de trabalho, o local da vida ( a casa) e o
local de trabalho. É neste período que começam as famílias menores, de
quatro a dois filhos. Já não há necessidade de tantos braços. Agora, é a
indústria que organiza o trabalho e as novas técnicas permitem que um
único trabalhador opere máquinas que desempenham a mesma função antes
feita por muitos.
Cresce a mobilidade das pessoas: os filhos casam e vão morar em outra
casa, outra cidade, outro país. Nas cidades, o pai e a mãe começam a
trabalhar fora de casa, e o contato temporal entre pais e filhos fica
cada vez menor. Os parentes também podem estar geograficamente distante e
a escola assume um papel mais decisivo na educação. A expectativa de
vida cresce muito com o desenvolvimento médico e sanitário, o que
permite mudanças também no trabalho. Há uma postergação na entrada no
mercado de trabalho, após a conclusão dos estudos. A escola é um momento
de transição entre a vida em família e o mercado de trabalho.
A escola passa a exercer a função de transmitir valores, a preparar as
crianças, adolescentes e jovens para o trabalho. Os adultos não estudam
sistematicamente, mas entregam-se ao trabalho continuo por 30 ou 35 anos
de trabalho, contribuindo para um fundo de pensão e depois têm o
direito à aposentadoria. Pela primeira vez, a inatividade é desejável na
infância e remunerada no fim da vida, ou seja, o trabalho não é mais um
sinônimo da própria vida da pessoa, mas corresponde apenas a um período
da vida. A mulher já começa a entrar no mercado de trabalho, mas ainda
de forma limitada por seu período de fertilidade.
Agora vivemos uma fase de transição deste último modelo. Agora estamos
deixando a ênfase da indústria para a era do serviço, do trabalho
imaterial. Já responde a 70% do mercado de trabalho atual no Brasil: não
há relação entre o esforço físico e mental e algo tangível, material
como alimento ou um carro, uma roupa. Essas mudanças acontecem com o
advento das novas tecnologias que nos permitem realizar o trabalho de
modo portável. Ao estar dentro de um local de trabalho é possível
separar o tempo de vida em família do tempo de trabalho. Atualmente,
continuamos trabalhando mesmo em casa, com o uso da internet e do
telefone celular.
Uma pesquisa da Inglaterra mostrou que o descanso semanal já não existe
mais como antigamente, porque é possível continuar conectado com o
trabalho, a escola. Isto esta afetando profundamente a coesão familiar,
porque a tecnologia que, teoricamente foi criada para nos facilitar a
vida e nos economizar tempo, acaba nos separando. Dentro de casa, cada
membro da família está empenhado em suas atividades individuais, não
estão conectados entre si. Um pai fica tanto tempo conectado com o mundo
inteiro na internet, mas não tempo para conversar e saber os sonhos dos
seus filhos.
Cresce o individualismo que gera uma sociedade doente que consome
drogas, antidepressivos e bens supérfluos... Essa sociedade que
privilegia o “ter” (que chega a degradar terrivelmente o meio ambiente) e
não o “ser”. As casas antigamente eram menores e tinham mais pessoas
morando. Hoje, 28% das casas de São Paulo tem o dobro do tamanho das
casas de antigamente e apenas um morador. Nossas casas não são mais
lugar de convivência, mas um depósito para nossos bens de consumo.
Precisamos ter um claro entendimento sobre as transformações que a
família vem apresentando diante do tempo, como o conceito de família se
alterou com o tempo, inclusive, influenciada pelas relações trabalhistas
e vise-versa. Que implicações tem essas mudanças nas famílias? A
sociedade do serviço aumenta a expectativa de vida, mas não a qualidade
dos relacionamentos. Essa nova sociedade coloca o conhecimento como um
dos principais bens. Não só conhecimento como somatório de informações,
mas sim como capacidade de interpretar e aplicar competentemente as
informações.
Mas ao mesmo tempo vivemos a era das especializações. Para tal, não é
mais possível ingressar no mercado de trabalho cedo, porque a exigência,
pelo menos, do ensino superior é o piso da atual sociedade. Os melhores
cargos serão ocupados por quem se preparou mais: ou seja, os filhos dos
ricos. Os filhos dos pobres estão quase que condenados aos empregos
mais humildes e mal-remunerados. Como mudar esse cenário? Hoje 40% dos
jovens entre 18 e 25 anos está estudando, mas a maioria deles também
trabalha. São verdadeiros heróis com extensas jornadas entre trabalho,
estudo e trânsito.
Outro aspecto importante implica em que a família associada a esta
sociedade do serviço é afetada pela necessidade de estar sempre
estudando, se atualizando constantemente por causa da dificuldade de
acompanhar as mudanças tecnológicas. Os adultos não são mais vistos como
os sábios, os experientes... ao contrario, hoje são os “imigrantes” no
mundo das novas tecnologias. Quantas empresas estão criando
universidades próprias com disseminação do conhecimento de modo
questionável. Preparam para a vida ou só para o lucro da empresa?
2. Mudanças que vem ocorrendo na família brasileira especialmente nesta primeira década do sec. XXI:
No último censo, 47,3% dos casais tem filhos no Brasil, em 2010, em 1989
eram 52%. Casais sem filhos vêm aumentando assim como o número de mães
solteiras e o número também de pessoas sozinhas, que já chega a 26%, ou
seja, 16 milhões de pessoas. Os dados mostram também que quanto maior a
renda, menor a família, mostrando uma desagregação da unidade familiar. E
esse é um movimento até pior em outros lugares. O número de pessoas
unidas pelo casamento civil e religioso reduziu e cresceu o número de
pessoas em união consensual. O divórcio também cresceu ainda que de
forma tímida (3,1%) e as separações estão em 14%. Pessoas sem nenhuma
união tiveram sua ocorrência dimunída no Brasil, nestes dados de 2010.
3. Os desafios sobre o que poderá representar essas mudanças na família e sua relação com trabalho:
Quais são os maiores desafios hoje?
- Família monoparentais (normalmente mulher ou pessoa idosa) é um fenômeno preocupante no Brasil.
- Crescem as famílias reconstituídas a partir de uniões anteriores e separações.
- Casais que se unem, mas não se casam nem no religioso, nem no civil.
- O casamento cada vez mais tardiamente o que leve os pais a terem que sustentar os jovens por cada vez mais tempo em casa.
- Queda na taxa de fecundidade das famílias (1,9% de filhos por família)
o que gerará índices alarmantes de queda na taxa de fecundidade. A
previsão é para 207 milhões de brasileiros em 2030, com queda crescente
de população caso não se mudem as políticas demográfica e migratória. A
composição temporal se alterará com a redução do número de crianças,
adolescentes e jovens. Vão sobrar escolas, algumas cidades vão minguar e
o sistema previdenciário pode colapsar, pois o número de pessoas
trabalhando será incapaz de sustentar uma multidão de aposentados.
Nossas cidades não está preparada para a mobilidade das pessoas idosas.
Como financiar este envelhecimento? De onde virão os recursos? Se as
famílias são menores quem apoiará os idosos?
- As mulheres da raça branca diminuem ainda mais o número de filhos. Os
não brancos tem a taxa de fecundidade mais elevada. Em 2030 a previsão é
que 70% do Brasil seja não branco. E se, ainda hoje, há preconceito
velado e desigualdade por causa da cor da pele, imagine como poderá
ficar a exclusão no futuro?
Poderemos chegar em 2014 como a quarta economia do mundo, mas de que adianta isso se o povo não viver bem?! Superar a miséria é um grande desafio, mas precisamos ver que uma sociedade decente e fraterna tem o seu centro na unidade familiar. Neste sentido é fundamental a criação de políticas públicas pró-família. O trabalho modifica a família, mas a família tem poder ainda maior de mudar o mundo do trabalho. O Brasil não é mais prisioneiro da ditadura, nem no FMI.. nada nos impede de darmos mais esse passo decisivo. Não tenhamos medo de ousar e anunciar, lutar concretamente pela família, maior bem http://pastoralfamiliarrj.blogspot.com.br/2012/04/ii-simposio-nacional-das-familias.html
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